“Indispensáveis para a descarbonização da Indústria siderúrgica, silvicultura nacional tem grande potencial para alavancar a produção de aço verde no país e no mundo” – André Martins
Por André Martins para a revista Mineração e Sustentabilidade
As grandes jazidas de minério de ferro transformaram Minas Gerais num ambiente ideal para o estabelecimento de um dos polos siderúrgicos mais robustos do mundo. Fator indispensável para a força do setor no estado, o ativo florestal fornece a essa indústria o carvão vegetal, ou biocarbono, utilizado na alimentação dos fornos. De acordo com a Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), o país conta com 9,94 milhões de hectares de florestas plantadas. E das 7 milhões de toneladas de carvão vegetal produzidas em 2022, 6,9 milhões foram obtidas a partir de madeira de áreas cultivadas. Um aumento de 15% nos últimos cinco anos.
A presidente da Associação Mineira da Indústria Florestal (AMIF), Adriana Maugeri, explica que o Brasil possui diferenciais competitivos que projetam a silvicultura em nível mundial. “O país desponta entre os demais porque aqui há condições climáticas pluviométricas, de solo e mão de obra qualificada e especializada em floretas. Minas Gerais, por exemplo, detém o posto de maior produtor e consumidor mundial de carvão vegetal, o que nos orgulha muito.”
Mas nem sempre foi assim. Até o estabelecimento de uma estrutura estatal que ordenasse o espaço, protegesse o meio ambiente e fornecesse incentivos fiscais ao reflorestamento e ao desenvolvimento da silvicultura, muito do que era floresta nativa no século XX tornou-se carvão. O grau de conscientização das empresas, no entanto, aumentou consideravelmente com a disseminação das pautas ambientais; e, hoje, a situação no estado é bem diferente.
Se no passado o plantio de florestas por parte de empresas de grande porte tinha por objetivo apenas a produção de madeira para a obtenção do carvão vegetal, atualmente as florestas plantadas desempenham um papel tão importante quanto o de suprimento energético. Elas são as principais aliadas das companhias na missão de zerar as emissões de carbono. Não fosse as florestas cultivadas, o impacto ambiental seria significativo, com supressão de matas nativas e uso exclusivo do carvão mineral, utilizado para a produção do coque – o grande responsável pela emissão de carbono das siderúrgicas.
A espécie que mais se adaptou aos interesses das empresas foi o eucalipto. Atualmente, mais de 90% das florestas plantadas em Minas Gerais correspondem à espécie australiana. De acordo com Adriana, ao contrário de países que levam até 30 anos para produzir madeira, o ciclo completo no Brasil – do plantio a extração – dura sete anos. Para desenvolverem, os 9,94 milhões de hectares de florestas cultivadas capturam 1,84 bilhão de toneladas de CO2 equivalente estocados no processo de fotossíntese, segundo estimativas do IBÁ.
O saldo da equação que considera o carbono lançado na atmosfera pelas empresas e a captura por parte das árvores ao longo do ciclo não passa despercebido. A média de emissão da indústria siderúrgica nacional é de 1,7 toneladas de CO2 por toneladas de aço produzido, ao passo que a média mundial gira em torno de 1,91 toneladas. Diante da performance do carvão vegetal e do seu baixo potencial poluidor, grandes siderúrgicas investem – desde a década de 1950 -no plantio de florestas, colocando cada vez mais investimentos nessa atividade.
Os processos para o cultivo de florestas variam em gruas de complexidade. Enquanto em Minas Gerais há termos de referências específicos e processos de licenciamento mais rigorosos, na maioria dos estados o processo ocorre de forma mais simplificada. “Por não ser uma atividade poluidora, há uma evolução no pensamento de que não é preciso licenciamento. Em Mato Grosso do Sul, não há um licenciamento formal, mas termos de compromisso dos empreendedores com a floresta plantada. O licenciamento vem depois, para detalhar como será usada a madeira”, explica Adriana.
AÇO VERDE DO BRASIL
Com produção anual estimada em 450 mil toneladas de aço, a Aço Verde do Brasil (AVB) nasceu sob a insígnia da sustentabilidade. A empresa foi concebida para operar fazendo uso apenas de carvão vegetal para a produção do ferro-gusa, a matéria prima do aço. Para isso, a empresa conta com cerca de 160 mil hectares de florestas, sendo 90 mil destinados à obtenção do carvão vegetal e 60 mil hectares de florestas nativas e áreas de preservação permanente.
Localizados no Maranhão, onde funciona a usina da AVB, e nos estados do Piauí e Minas Gerais, as florestas da companhia passam por análises e melhoramentos periódicos. “Nós temos uma superintendência focada em nossas florestas. Ela conta com profissionais empenhados em trabalhar o melhoramento genético das árvores, a fertilidade do solo e os mecanismos para evitar pragas a fim de produzirmos mais e termos uma floresta mais densa. É um trabalho contínuo e longo. Muitas das alterações feitas em busca de qualidade são mensuradas somente sete anos depois”, revela o diretor de ESG e Novos Negócios da VB, Sandro Raposo.
A partir das florestas plantadas, a AVB produz cerca de 1 milhão de toneladas de carvão vegetal anualmente, garantindo autossuficiência energética para os fornos da companhia. Com isso, a empresa deixa de emitir 35 toneladas de CO2 por hectare plantado a cada ano. Os gases gerados no processo produtivo do carvão também são utilizados pela empresa.
A realidade da da AVB contrata com a da grande maioria das empresas brasileiras, sobretudo as siderúrgicas de médio e pequeno porte, que ainda importam carvão mineral para a produção do coque. “O coque emite cerca de 3,2 toneladas de CO2 para cada tonelada de aço. Já o carvão vegetal entra como zero. A queima pressupõe uma emissão, que é compensada pelo sequestro de carbono que as árvores cultivadas realizam ao longo do clico. Há mais captura de carbono do que emissão. O resultado seria um valor negativo, mas é considerado zero”, detalha Raposo.
A AVB vem sendo reconhecida pelo seu pioneirismo. Em 2020, a empresa foi certificada como a primeira usina siderúrgica carbono neutro do mundo pela Société Générale de Surveillance (SGS). A entidade possui expertise na verificação de inventário de emissões de gases poluentes, fazendo uso de métricas internacionalmente reconhecidas pela World Steel Association.
VETORIAL SIDERURGIA
O uso do carvão vegetal tem se propagado pelo país. Não por acaso, a Vetorial Siderurgia só consome carvão oriundo de fontes renováveis, aproveitando o resíduo florestal não absorvido pela indústria da celulose e papel. Instalada em Mato Grosso do Sul, a maior produtora de independente de ferro-gusa comercial do Brasil à base de carvão vegetal só adquire madeira junto às empresas sul-mato-grossenses após um rigoroso controle dos órgãos fiscalizadores.
De acordo com o diretor comercial da Vetorial Siderurgia, Roberto Viana, o mercado tem sido criterioso na captação de fornecedores, buscando produtos cujas matérias-primas e insumos podem ser rastreáveis. “O fato de a produção ser ambientalmente correta já é um ponto positivo para a companhia. Temos sido abordados por diversas empresas sediadas no exterior que nos fazem consultas sobre o produto. E nessas abordagens percebemos que o mercado consumidor está optando – em escala cada vez maior – por companhias certificadas”, aponta.
Recentemente, a Vetorial alcançou a certificação como empresa carbono neutro pela SGS. “Contratamos especialistas que fazem a capacitação da equipe na formulação do inventário das emissões dos gases de efeito estufa, conforme as normas internacionais. Feito esse levantamento detalhado, nós o submetemos à avaliação da SGS, que aferiu os valores e emitiu o certificado de conformidade’, conta Viana.
Com capacidade de produção do ferro-gusa verde de 540 mil toneladas/ano, a companhia pretende aumentar a produção em 25% nos próximos anos. O projeto, inclusive, já foi licenciado. De acordo com Viana, é desejo da siderúrgica investir em uma floresta própria, de forma a reduzir custos e escalar a produção. “A empresa já fez investimentos importantes no passado e deve voltar a fazê-los em 2024.”
OPORTUNIDADES DE EXPANSÃO
O Brasil tem grande potencial para expandir a silvicultura. Além de um imenso ativo florestal que contribui para a captura de carbono, como é o caso da Amazônia, o país pode acelerar ainda mais o processo de descarbonização em curso no mundo. A indústria florestal do país tem capacidade de fornecer carvão vegetal às siderúrgicas que ainda utilizam o carvão de origem fóssil e não renovável, incluindo as estrangeiras. De acordo com informações do Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (Sindifer), dos 7 milhões de toneladas de carvão vegetal produzidos no país em 2021, uma pequena fração é destinada ao mercado externo.
“Hoje, o Brasil tem mais de 200 milhões de hectares de terras férteis para o plantio, extraídos da conta a Florestas Amazônica, o Pantanal e a Mata Atlântica. Desse montante, menos de 5% corresponde a florestas plantadas. E apenas 10% a 15% das florestas de eucalipto, que representam a grande maioria das florestas cultivadas no Brasil, são destinados à produção de carvão vegetal. Isso mostra o potencial do país para ampliar essa área cultivável. O Brasil tem clima, terra e tecnologia. Por que não produz mais? É uma questão de estratégia”, entende Raposo.
Em Minas Gerais é vetada a utilização de madeira de floresta nativa para qualquer atividade econômica. O estado tem agido de forma enérgica para estrangular a rede criminosa que explora as florestas originárias para a produção de carvão. Segundo Adriana Maugeri, da AMIF, o Sistema de Rastreamento de Origem da Madeira, em implementação no estado, é um mecanismo que contribuirá fortemente para o combate ao desmatamento. Para a presidente da Associação, a disponibilidade de madeira legal no mercado pode blindar o desmatamento predatório das florestas nativas.
“Quanto mais florestas plantadas conseguirmos promover e quanto maiores e mais diversos forem os cultivos florestais, maior será o escudo protetor contra o desmatamento das florestas nativas. Porque teremos mais madeira legal sendo ofertada para a demanda crescente por produtos renováveis”, frisa. Segundo Adriana, a AMIF tem atuado em parceria com as empresas, entidades públicas e o Estado de Minas Gerais para promover a conscientização. “Para nós, a área conservada tem um valor imenso, pois precisamos dela – numa relação de simbiose – para melhorar a produtividade das florestas plantadas. É uma relação de harmonia entre espécies.
No Brasil, não é preciso desmatar para plantar florestas, pois elas ocupam áreas que precisam ser recuperadas. O Brasil tem muita área degradada a ser recuperada. E, como nosso Código Florestal permite, a recuperação por meio do mix de floresta nativa e plantada faz a riqueza da biodiversidade ser tão valiosa”, finaliza.
Matéria originalmente escrita por André Martins, para a X Edição da Revista Mineração e Sustentabilidade, publicada em novembro de 2023.